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ARTIGO: Reprovação, Inclusão e Perspectiva: Um Olhar Critico sobre a Escola Contemporânea

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ARTIGO:
Reprovação, Inclusão e Perspectiva:
Um Olhar Critico sobre a Escola Contemporânea

Mary

Mary Jones Rocha da Silva
https://orcid.org/0009-0006-6654-060X

            A discussão sobre a reprovação escolar continua sendo um tema sensível e necessário no campo educacional. Muito  se ouve que os alunos “bons” deveriam ser separados dos “fracos” ou que a reprovação é o caminho mais eficaz para estimular o esforço e a disciplina. No entanto, essa visão, embora comum, ignora as profundas transformações sociais, culturais e pedagógicas pelas quais a educação tem passado e revela a persistência de uma lógica excludente que remonta ao modelo tradicional de ensino do século XIX.
           Historicamente, a escola brasileira foi construída para atender a uma minoria os filhos das elites e, portanto, nasceu com uma estrutura seletiva e meritocrática, que premiava os que se adaptavam a um padrão único de aprendizagem. Com a expansão da escolarização e o ingresso das camadas populares, a escola passou a lidar com uma realidade diversa, mas manteve práticas e avaliações que pouco consideram as desigualdades de origem social, cultural e econômica. Como afirma Bourdieu (1998), a escola tende a reproduzir as desigualdades sociais, legitimando-as como diferenças de mérito individual, quando, na verdade, são reflexos das desigualdades estruturais da sociedade.
            A chamada “reprovação automática” é muitas vezes um termo mal compreendido. O que algumas redes de ensino buscam, na verdade, é o avanço continuado, um princípio pedagógico que visa garantir o direito de aprender, respeitando o tempo e o processo de cada aluno. Não se trata de aprovar indiscriminadamente, mas de acompanhar de forma contínua, oferecendo apoio, reforço e novas oportunidades de aprendizagem. Como destaca Luckesi (2011), a avaliação deve ser compreendida como um ato amoroso e diagnóstico, voltado para a promoção da aprendizagem e não para a punição do erro.
            Reprovar ou separar alunos por desempenho não corrige o problema da aprendizagem apenas o transfere de forma simbólica. A reprovação reforça a exclusão, a evasão e a baixa autoestima, enquanto a divisão por desempenho cria hierarquias que negam a diversidade e o caráter inclusivo da escola pública. O Parecer CNE/CEB nº 7/2010, que trata da organização do ensino fundamental em ciclos, já apontava que o foco da escola deve ser o êxito escolar de todos os alunos, o que implica investir em acompanhamento pedagógico e não em repetência.
             A questão central não é se o aluno “merece” ser reprovado, mas se a escola está conseguindo garantir condições reais de aprendizagem. Isso exige práticas pedagógicas diversificadas, currículo contextualizado, metodologias ativas e avaliações formativas, conforme propõem autores como Perrenoud (1999) e Freire (1996). Para Freire, educar é um ato de amor e coragem, e o professor deve acreditar na capacidade do educando de transformar sua própria realidade. A reprovação, nesse sentido, rompe o vínculo dialógico e o potencial emancipador da educação.
             A falta de perspectiva de muitos alunos, por sua vez, não nasce do desinteresse, mas da ausência de sentido e pertencimento. Quando o currículo ignora as identidades, culturas e realidades locais, o estudante não se reconhece no espaço escolar. A escola, então, deixa de ser vista como um lugar de construção de futuro e passa a representar apenas um dever social. Segundo Charlot (2000), aprender implica estabelecer uma relação de sentido com o saber; sem essa relação, o conhecimento se torna vazio e o aprendizado, mecânico.
             Portanto, o desafio da escola contemporânea é superar a lógica da exclusão e construir uma pedagogia que reconheça as diferenças, promova o diálogo e valorize os processos, não apenas os resultados. A avaliação, nesse contexto, deve ser compreendida como parte do percurso de aprendizagem e não como um instrumento de seleção. Reprovar pode parecer mais “fácil” do ponto de vista administrativo, mas, do ponto de vista humano e pedagógico, representa uma falha coletiva.
              Mais do que decidir entre “aprovar” ou “reprovar”, precisamos repensar o que significa ensinar e aprender em uma sociedade plural, marcada por desigualdades. Como educadores, o compromisso maior deve ser com o desenvolvimento integral do aluno com sua dignidade, com sua trajetória e com a crença de que toda criança e todo jovem podem aprender, desde que lhes sejam dadas as condições adequadas e o apoio necessário.
Mary Jones Rocha da Silva: Professora, Pesquisadora e Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), com a pesquisa intitulada “Povos Indígenas: Uma Análise da História, Cultura e Representação no Livro Didático sob a Perspectiva da Lei 11.645/08”.
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