Um paraíso de pedras, com vias e paredões pertinho de uma das capitais mais simpáticas do país, vem se transformando em um ponto de encontro de brasileiros e gringos apaixonados pela rocha. Localizado a apenas 100 km ao norte de Belo Horizonte (MG), o imenso playground outdoor que é o Parque Nacional da Serra do Cipó e seus arredores espalha-se por uma vegetação abundante, repleta de cachoeiras, trilhas e formações rochosas imponentes. Encravada no Morro da Pedreira, formação que integra a Serra do Espinhaço, o que fazer na Serra do Cipó é conhecida como “a capital brasileira da escalada” e tem se tornado, nos últimos anos, um destino obrigatório para quem curte o esporte.
Com mais de 350 vias de diferentes graduações e características, o Cipó oferece uma infinidade de possibilidades a quem quer se dedicar a evoluir na modalidade, malhar projetos difíceis, treinar duro e explorar a maior quantidade possível de uma rocha extraordinária. “Para mim, é o melhor pico de escalada do país”, diz o paulista Felipe Camargo, 28, um dos escaladores mais talentosos de sua geração. “Vou desde pequeno, já escalei muito lá. Também fiz algumas primeiras ascensões, de diferentes graus de dificuldade”, conta. “A rocha no Cipó é ótima, os gringos ficam impressionados.” O renomado escalador norte-americano Cedar Wright, por exemplo, lançou um vídeo, Pra Caramba, sobre sua viagem ao Cipó na companhia do mineiro Lucas “Jah” Marques, em 2012.
A qualidade da rocha da região é um de seus principais atributos, e o mais celebrado pelos atletas. Macio ao toque, seu calcário traz alívio em relação às pedras abrasivas encontradas em muitos outros picos nacionais. Com cerca de 1,7 bilhões de anos, a Serra do Cipó costumava ser submersa. Ao longo do tempo, o escoamento da água esculpiu a rocha macia, modelando-a e cavando as formações sinuosas do lugar, com seus famosos “copinhos” e “facas” de pedra.
Outro aspecto atraente é a facilidade de acesso às vias. Divididos em três grupos principais (G1, G2 e G3), os setores do Cipó não exigem muito esforço de quem quer chegar até lá. Os mais visitados, o G1 e o G3, contam com trilhas bem marcadas e limpas, com entradas próximas a abrigos e de fácil acesso a pé ou de carro, apesar de a sinalização ser rara. A mata mais fechada aparece apenas em alguns momentos entre os setores – mesmo assim, levar um croqui ajuda bastante a decifrar os caminhos de um lugar para outro.
A maioria das vias tem entre 20 e 30 metros de altura, e graduações “amenas” entre 7a e 8c, incluindo as “clássicas” Legalize Já (6c), Chorreira Musical (7a), Via de Blair (7a) e Sinos de Aldebaran (8c, que ganhou fama com a ascensão em free solo mandada por Lucas Jah em 2014). Mas o forte do Cipó são seus grandes desafios, para quem já tem intimidade com a rocha – entre eles, a Heróis da Resistência (o primeiro 9c que o paulistano Felipe Ho conseguiu mandar), a Além da Imaginação (10c) e a Poltergeist (10b), a via mais difícil já escalada por uma mulher no Cipó. O feito foi realizado pela decacampeã brasileira Janine Cardoso, que fez a primeira ascensão feminina (conhecida como FFA, pela sigla em inglês), em 2016. “Costumo ir algumas vezes por ano ao Cipó pois adoro o estilo das vias. São praticamente todas boas, independentemente da graduação. Ando pilhada em conhecer novos picos de escalada, mas para o Cipó sempre reservo um espaço na agenda”,.
Apesar de não ser um local indicado para iniciantes, a Serra do Cipó reserva uma pequena parte de suas atrações para quem ainda não se sente tão pró na escalada. Lá mesmo é possível encontrar vias mais fáceis espalhadas por alguns setores, como a Injustiça social (6a) e a Pó Pô Pó (6b). E ainda há a possibilidade de pegar o carro (ou uma carona) e passar o dia na Lapa do Seu Antão, no município de Fidalgo, a 55 km dali, onde é fácil passar horas “brincando” nas vias mais baixas e de graduação suave, como a divertida Rebeca Lovers (5 sup) e a mais trabalhosa Beabá (6a). A proximidade de outros redutos mineiros de escalada é o grande bônus da Serra do Cipó: além do Antão, não muito longe dali dá para escalar na Gruta da Lapinha e no Sítio do Rod, em Lagoa Santa (entre Belo Horizonte e o Cipó) e no Baú de Minas, além de boulders em Conceição do Mato Dentro (a 85 km).
Mas nem só de escalada vive a serra, o que facilita na hora de convencer amigos não-escaladores a rumarem até a meca da rocha no Brasil. Região com a maior concentração de cachoeiras de Minas Gerais, o lugar oferece diversas opções de trilhas e quedas d’água para quem quiser se refrescar do calor. Sem nem sair da cidade, já é possível desfrutar das delícias do rio Cipó, que corta a cidade ao meio e oferece vários pontos bons para banho, com suas águas de cor escura e temperaturas amenas – é preciso pagar uma taxa para acessar a cachoeira pela entrada principal, mas há quem se aventure pelas margens do rio “extraoficialmente” para evitar o custo. A ACM local também cobra ingresso pela entrada em sua cachoeira, a famosa Véu da Noiva. Já em Conceição do Mato Dentro, a Cachoeira do Tabuleiro, a terceira maior do Brasil, impressiona os visitantes com seus 273 metros de altura. Em janeiro, Lucas Jah e seus amigos Felipe Belisário, Danilo Berrenechea e Luiz Henrique Schaeffer encontraram mais um jeito de aproveitar a escalada na região: ao lado da imensa queda d’água, abriram a via Parque dos Dinossauros, com 300 metros de altura e seis cordadas. “É uma via mista, com proteções fixas e móveis e dificuldade em torno de 8° grau (na graduação brasileira). É um pouco exposta, porém oferece uma panorama deslumbrante da cachoeira”, conta Lucas. Uma vista que só a escalada proporciona, e que só tem mesmo lá no Cipó.